sexta-feira, 9 de outubro de 2009





Pretendo lançar este ano, ainda, ROTEIRO DO DESAJUSTE. O mundo será o mesmo e sei que ficarei com caixas de livros em casa, mortos pelos cantos. É assim: distribuir constrangido palavras... Lança-se livros por desejo de comunicar algo, uma projeção do ego, do self, de valores e de pedidos de socorro. lança-se.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009


Ilustração de Ricardo Borges
rborges.net



isso que sobra


o nervo exposto


a falta, o degredo


nada do qual


já não fui morto


e enterrado



ricardo borges
rborges.net


segunda-feira, 14 de setembro de 2009





Crucifixo



Esta é a vida –
descoberta lenta
como o passar dos anos.
Enquanto tudo caminha,
na cordilheira ou na
rua estreita da colônia,
penso em mim,
em muitos iguais,
em tantos andares,
em poucos amores sinceros...

Eduardo Borges
20/10/03




Surto




Num pequeno
buraco do muro
esquecido, ao
meu lado, um
inseto protege-se
olhando o enorme
mundo que não é
seu.


13/3/4
Eduardo Borges





Descaso




O sol mata
aos poucos o
trabalhador –
em translações e
rotações (imperceptíveis) –
em seu cansaço de e s p e r a n ç a,
no caixote sujo
que é almofada
para seu
descanso.

13/3/4
Eduardo Borges

segunda-feira, 7 de setembro de 2009






DE TUDO QUE NÃO VEJO



Algo abaixo dos meus pés se move
Abaixo das minhas células, de mim
Logo ali, perto, junto do que sou
Algo abaixo pulsa, debaixo do solo
No invisível urbano, nos bueiros
Em mundos submersos de esgotos frios
Na intriga dos neurônios feitos de gases vivos
Algo de tal inconsciência que esqueço e ignoro


Eduardo Borges
Teresina, 24/08/2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Em meu planeta


Para onde for
levo-me por inteiro
sempre e tanto e
intensamente

Em cada canto
o que comumente sou
perto ou longe
infinitamente

Teresina
06/08/2009

Eduardo Borges

sábado, 15 de agosto de 2009





esta noite é como todas as noites
ninguém virá e eu não sairei para
ver os navios presos no chão cinza
da minha cidade vapor – nada de esperas
nada de horas marcadas em lugares prévios
esta noite é como todas as noites

eduardo borges
teresina 11/08/2009

domingo, 2 de agosto de 2009





Oh minha cidade


Certa vez um homem do sul perguntou-me: “- Em São Luís tem máquina de Xérox”? E eu respondi obediente e educado: “- Sim, lá tem máquina de Xérox”. Nunca pensei que fosse possível esta pergunta. Mas ocorreu de me perguntarem assim no meio da multidão, com uma naturalidade altiva. Bem, teria preferido noticiar que São Luís era uma cidade de objetos passados, de dejetos nas ruas, becos com nomes duplos – um de gente e outro de coisa -, museus de correntes negreiras, uma enorme serpente viva na Fonte do Ribeirão, igrejas ligadas por túneis e casas velhas. Cidade de mar e sal, cheia de homens e mulheres que viviam e batiam xérox. Andavam de carro do centro até o Viaduto do Café, embora em minha cidade nunca tenha havido um cafezal sequer. Mas tinha Xérox já em 1985. Na Rua Grande, a rua do comércio, os livros eram copiados e os papéis saíam quentes, como pães feitos naquela hora. Estava pronto para uma outra pergunta, que não veio: “ – Sim, em São Luís tem computador”. Mas a coisa é que jamais poderia dizer que em minha cidade francesa e portuguesa, lisboeta e parisiense em versos e sonhos de navios, tudo, todos os objetos e esquinas, tudo era um tipo de desculpa para viver o além da realidade, feita de Xérox. As coisas atravessavam os invisíveis túmulos das ruas do Sol e da Paz. E da Praça Dos Amores com a estátua de Gonçalves Dias. Não saberia explicar àquele rapaz de outro Brasil a tecnologia de minha cidade, muito, muito mais profunda que a mágica máquina de Xérox. Nem conseguiria levar ao seu cérebro o fedor do Poema Sujo saindo eternamente das palavras (Dentro da Noite Veloz) – se ele tivesse lido Gullar não perguntaria sobre uma máquina, falaria de gente nos quartos nus em redes. Não pude presenteá-lo com a indigência nordestina, com a indolência dos relógios parados sem olhos em paredes de azulejos multicoloridos, com a preguiça do calor infernal de um ponto no trópico latino. Sim, São Luís tinha Xérox na década de oitenta e poemas e corações aflitos. Isso foi há vinte e um anos atrás e São Luís tem a mesma alma.

*



Hemofílico




Meu sangue
Escorre monotonia
Ondas de calor
Asfalto de uma avenida
Perdida

Eduardo Borges
(Teresina-PI)
11/12/07

Na Paulista





Queria ser como
O homem sentado
No Jardim das Flores
Na Paulista em sua consciência
O tempo atrás
Inerte insone
Alheio ao vento
Ao barulho dos carros
Rindo para o nada.


17/10/06
Eduardo Borges

domingo, 19 de julho de 2009








Ricardo Borges
rborges.net


bicho-eu




ainda o mesmo

e aos poucos o

que de mim

se move e

assombra

este bicho que

sou e desconheço


Ricardo Borges
rborges.net


sexta-feira, 3 de julho de 2009






Olhos no mundo


A lucidez é uma delinqüência social
Estar exposto entre animais e ferro
Ver as flores no mundo que queimam
Ferrugens nas asas do avião cruzando o céu
Coragem em manter-se acordado nas muitas mutilações
Viver sem as fugas dos líquidos e dos pós inebriantes
Uma fera entre homens armados

A Consciência é a loucura incompreendida

Teresina, 11/04/08
Eduardo Borges

terça-feira, 23 de junho de 2009

r e le i tu r a





William Shakespeare:


"Aprendi que as palavras de amor perdem o sentido,
quando usadas sem critério.
E que amigos não são apenas para guardar no fundo do peito,
mas para mostrar que são amigos.
Aprendi que certas pessoas vão embora da nossa vida de qualquer
maneira, mesmo que desejemos retê-las para sempre.
Aprendi, afinal, que é difícil traçar uma linha entre ser gentil,
não ferir as pessoas, e saber lutar pelas coisas em que acredito.”


eu, depois de injetar William Shakespeare:

Afinal

Aprendo com dificuldade a lógica da vida
E mal falo do amor por não saber vivê-lo
Por não ter critérios nem livros sem letras: sigo a racionalidade
Meu peito é terreno baldio, terra de ninguém
Não se entra e não se sai
É prisão sem chave porta aviso cadeado quebrado
Aprendo sem final, afinal

terça-feira, 2 de junho de 2009






Habitat




Homens são folhas secas
Em cidades desertos povoados
Vendavais de areia acariciam
Faces duras dunas edifícios montanhosos

Teresina, 13/2/08
Eduardo Borges

segunda-feira, 18 de maio de 2009




O rio das ilhas


Da ponte que separa
As cidades partes de mim,
Chegam as imagens
Turvas de águas submersas.
O Parnaíba vindo de longe,
Como um ateu perdido e desolado,
Expõe-se entre ilhas vulcânicas,
Tumores em seu tecido heterogêneo,
Terras e florestas que emergem
Dos muitos afogados esquecidos
Em suas margens espectrais.
Assemelhamo-nos, não na grandeza,
Mas na pequenez do átomo, no submisso,
No ser atingido sem saber reagir.
Eu, o rio, as ruas, as pessoas e seus pés,
Somos igualmente degeneração.

Teresina, 07/03/08
Eduardo Borges

sexta-feira, 15 de maio de 2009





E S C R E V E R

E stado
S urreal.
C oncreto.
R uas.
E squivas
V icerais.
E ntrelinhas
R uminantes.


Teresina, 25/02/08.
Eduardo Borges

PALAVRA




Código





Eu amo a palavra
O sopro da boca
Cada sentido codificado
Riscado
Em sílabas ditas e malditas

Eu vivo conjugações
Verbos e vermes dos papéis
O risco
Os não’s e os sim’s das contradições

Uma letra somando-se a outra
O nome das coisas
O silêncio impresso
Os dicionários de bolsos velhos
E tudo que traduz o mundo

26/03/07
Eduardo Borges
Teresina

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Em tuas margens de novo





Deito em tuas praias
“oh minha cidade”
às três da tarde
cercados pelas
dunas amareladas
que já se foram
- agora tudo é deserto -
e engulo teu mar azul
engulo-o todo
toda água suja de óleo estrangeiro
de gente nascida dos confins
de tuas entranhas cheias de veleidade
de pontos cardeais perdidos
os portugueses não virão mais
levar nossas almas
nem os dejetos dos navios
que seguiam rumo ao teu porto
seguiam e já não seguem
que dormiam embaixo de um céu
enfadonho sem lua e sem sal
- já não dormem os navios -
eu bebo tuas águas
águas que foram de Portugal
teu banzeiro de ouro branco
a urina vertida entre as brincadeiras
dos meninos que vencem as ondas
entre chutes e mergulhos insanos
as mil e uma águas-vivas
e seus fios azuis que ainda queimam
minhas pernas atiradas na poeira fina
meu rosto nesta noite distante
deitado em tuas praias
engole todo o oceano
e me liberta
“oh minha cidade”

Teresina, 13/05/2009
eduardo borges

quinta-feira, 7 de maio de 2009

..............M O N Ó L O G O..............




Eu me pergunto,
nos dias de chuva,
tempestade e sossego,
onde estará o último suspiro,
a saída dos becos de São Luís,
aquela escada do colégio de minha juventude,
a moça que vendia compotas de doces,
o vento da praia em meu peito,
a monotonia das conversas,
- todas elas inúteis,
nas calçadas
mortas.
Eu me pergunto
neste dia de chuva
tempestade e
morbidez.

Teresina,
Eduardo Borges
17/04/09

sábado, 18 de abril de 2009

Nos Mapas Nos mares





A poesia contrapõe-se a este mundo louco, denunciando-o, cantando suas incongruências, dizendo deboches na beleza da tinta. O mundo é escravidão e nos servimos dele e de suas caravelas sequestradora de almas. Os navios negreiros, nosso mundo...


Caravelas


Os escravagistas ainda cruzam
Mares em seus navios velozes
Caravelas, submarinos, balsas
Feitas por mãos que se entregam
Ao domínio de outros reis em fuga
Os navios negreiros sobreviveram
Aos séculos cruzando os mapas


Teresina, 18/04/08
Eduardo Borges

terça-feira, 7 de abril de 2009





FOLHAS DE CONCRETO




Minha cidade carnaúba
- um verde claro amarelo de vegetação rasteira

Minha cidade Rio
- O Monge Da Costa e Silva

Minha cidade angústia
- Geléia Geral

Minha cidade coluna
- uma avenida divide o norte do sul

Cidade Louca
- Meduna prisão esquecida

Cidade pouca
- faltam saídas para os descaminhos

Minha Teresina, a cidade avizinha
- ainda se escuta o apito da velha usina


28/04/08
Eduardo Borges

segunda-feira, 6 de abril de 2009






 


na.loucura.sentir.será
agora.um.mapa.sem
estrada.sigo.aqui.e.lá
aonde.quer.que.eu.vá
sumir.na.beira.do.que.já
nem.sequer.é.porque
sentir.é.um.mapa
na.beira.da.loucura.já
nem.sigo.porque.agora
aonde.quer.que
eu.vá.um.mapa
sequer.será


sumir


Ricardo Borges
www.rborges.net





Ricardo Borges
www.rborges.net

é
que


às
vezes


me
finjo


de
vivo


 


ricardo borges



Ricardo Borges
www.rborges.net




Ponto torto




O meu porto seguro é a loucura
A temível sanidade transcendente
Sítio dos medos sem sentido

O meu porto seguro está onde outros se perdem facilmente
E eu me acho cada vez mais forte e intenso

Lúcida é a loucura
Porta para a consciência de quem sou

07/01/07
Eduardo Borges

sábado, 4 de abril de 2009

Directcion Home




Ando por duas cidades. Uma perdida num tempo que esqueci e que volta em imagens fluidas. Outra onde vivo minhas horas. Somos cidades, todos nós. Eu de volta às minhas casas, aqui e lá.


Direction home



Volto à cidade
Onde vivo
Seus dentes para cima
Arvoredos secos e velhos
Carros retorcidos em
Avenidas retas
Norte, Sul, Leste, soldados volvei!
O rio é uma sangria a oeste.
Houvesse um gigante, estes prédios
Seriam incômodos espinhos para os seus pés
Eu seria ainda uma formiga
Não fosse este vento quente
Faltasse este calor
Minha cidade seria estrangeira
E eu não falaria este português arrastado
Eu iria para Pasárgada.


Eduardo Borges
Teresina

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Adiando livro

A publicação do ROTEIRO DO DESJUSTE foi adiada, a quem interessar possa. Claro que escrevo este fato para mim mesmo (sempre escrevo para mim mesmo!), como uma forma de digerir a frustração. Falta grana. Tinha pensado um projeto visual interessante. Agora é esperar para publicar mais um livro que não será lido. Por enquanto vou postando alguns poemas do trabalho aqui:


Cartografia dos medunas

Pego a caneta e rabisco
A geografia do poema
É mesma do globo
Uma palavra é relevo
Conceitos imperialistas
Todos escrevem diferente
Sou brasileiro e estrangeiro
No sul se é pobre
O Norte é acima
Parágrafos são continentes
Os dicionários falam de política
O homem é população
Reconstruo a geografia dos mapas
Os homens em diversas cores
Palavras fronteiriças
Guerra de nervos
Pego a caneta e divido o território
O sofrimento está nos mapas
Passo a régua entre a pobreza e os ricos
Nas diversas Américas
O poema é em si um país

Teresina, 17/04/08
Eduardo Borges

domingo, 8 de março de 2009

Dia Internacional da Mulher

No dia Internacional das mulheres devemos lembrar que as diferenças de gênero quase nunca são vistas no seu sentido positivo, ou seja, geradoras de cidadania. Todavia, é na diferença que está a riqueza da vida. Há pouco tempo mulheres não votavam. Em cada canto do mundo homens agredindo suas companheiras protegidos pela cultura machista. Um dia festivo no mundo das distinções. Lembrando das diferenças, segue esta poesia, nesta data tão contraditória (no Brasil os homens recebem salários em média de 34% maiores que as mulheres em situação igualdade laboral: a maior entre os países pesquisados pela Federação Internacional dos Trabalhadores):


Dos odores e das flores



Passa o vulto de mulher desfilando na Europa de botas
- “Onde estás, Dolores, que teus filhos pedem comida na solidão da casa?”

Caminha em altar a nobre loira em sua fantasia de neve
-“E tu, Antônia, que ainda desenha o verde da roça a esta hora, depois do sol?”

O perfume feminino, decerto vindo de França, perturba os sentidos
-“Quando te sentes mulher, Violeta que lava as roupas no Rio Paranaíba com mãos brutas?”

O narcisismo doentio das lindas burguesas vestidas em peles de animais extintos
-“Maria, corre armada que a caça fugidia alimentará tuas crias e hoje só tem farinha na mesa!”

Passa a beleza, segue a fome, caminham mulheres em mundos tão distintos e belos
- “Camponesa de rara coragem, pés de barro, mãos de aço, a revolução ainda está em ti!”

Eduardo Borges
Barcelona

quinta-feira, 5 de março de 2009

Minha terra além da noite

Esta poesia, que estará no livro ROTEIRO DO DESAJUSTE, esteve na final do POEMARÁ, e refere a meu laço louco com São Luís:


Minha terra além da noite

O tambor
A crioula rodando
Mãos acariciando a pele
do boi morto que ainda urra
Minha mente confusa firme esmurra
o chão centenário
Um cheiro de álcool e fumaça cruza
transes levantando saias por detrás
dos mudos rosários
Casarões dançam entre pés descalços
Tudo penso e tanto faz

Minha terra tem batuque onde cantam os Orixás

(Eduardo Borges)

segunda-feira, 2 de março de 2009

Noturno





Ilustração de Ricardo Borges

www.rborges.net

Em 2009

Um ano após SUSSURROS estou lançando outro livro de poesias chamado ROTEIRO DO DESAJUSTE, que nasceu de um projeto baseado nas idéias de mapas e dos "roteiros" que nos invadem a cada dia nesta sociedade louca. A imagem do "bueiro" como "retrato do inconsciente coletivo urbano" perpassa o trabalho. Qual o mapa das misérias humanas? Onde conceituamos os desajustes a um mundo doente? Não espero boa aceitação. Sigo na linguagem carregada, presa e livre.