segunda-feira, 24 de março de 2008


Apresentação do livro pelo poeta Nauro Machado

Nesta "ilha de ilhas", como diz o poeta Eduardo Borges no poema "Biografia do Luto", constato mais uma vez que algumas vozes ainda desconhecidas no meio literário são-luisense, atingem por vezes uma altura pouco comum entre aquelas que aqui laboram há mais tempo em sua fornalha de sonhos.
Mas é também no "Esconderijo" de uma cidade "feita de barro", andando por suas ruas ou entre "paredes translúcidas" a lhe recordarem outros chãos, como aqueles que acolheram as angústias de Torquato Neto nos quadrantes da "Pompéia Teresinense", que Eduardo Borges, neste seu livro de estréia, indica e nos revela um percurso que haverá de levá-lo à plena realização dos seus versos: frutos verbais a que ele, diga-se de passagem, imprime uma cor pessoal, sobretudo nos poemas curtos, de uma contenção ancorada pela imagística que lhe é própria e de sugestiva força criadora.
Marcada pela angústia que, como ele sabe e diz tão belamente, "não tem pêlos nem olhos", sua poesia pode desde agora ombrear-se com a dos seus companheiros de geração, cujos pés, embora rastejando entre a areia movediça de um tempo injusto e cruel, intuem, na caminhada de suas noites, aquela antemanhã a que Eduardo concedeu o canto premonitório de uma liberdade coletiva.
Uma liberdade com que ele desde agora sonha, sabendo-se contudo ainda inerte diante da visão de "cinqüenta mil crianças órfãs na guerra do Burundi", apesar de, pelo verbo poético, testemunhar que a mão do verbo vale a mão à charrua, conforme dito pelo genial charlevillense.
Este livro se constitui numa bela surpresa, capaz de enriquecer o hoje feito pelos nossos mais jovens poetas.
Nauro Machado
Poesias extraídas do livro "Sussurros"

Declaração de Culpa

Declaro que não tenho amigos
Que sou anti-social
Que não gosto muito de pessoas
Declaro que me sinto pouco humano – sobrevivo
Confirmo minha crença nas drogas e guerrilhas
Na desordem para o regresso
Meu amor pelo abandono e pelo ócio
Minhas poucas virtudes e intolerâncias
Meu ódio, silêncio, o meu barril de palavras
Declaro-me pecador e culpado
Não reconheço autoridades nem Tribunais
Detesto os homens detestando-me sem fim


Biografia do Luto


Esforço-me
para ser
humano.
Luto visceralmente,
às quatro da manhã,
nesta ilha de ilhas,
em algum vagão de fornalha.


Hemofílico

Meu sangue
Escorre monotonia
Ondas de calor
Asfalto de uma avenida
Perdida



Nós

O lençol.
O calor de
tuas pernas
neste frio
interior.
Tudo me
conforta.
Nosso quarto,
teu útero.



O dia

Dorme a cidade em que nasci
e vou morrer, onde estiver, no calor das sombras,
no frio do sol que abate cabeças,
diminuindo o homem,
que anda e anda.

Há noite nas paredes sonolentas
que nos cercam no latifúndio escarlate do dia.


Mais...
Estes e outros poemas podem ser vistos nos sites poesia sim e blocos online, que reúnem ainda trabalhos de vários poetas nacionais.

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