domingo, 2 de agosto de 2009





Oh minha cidade


Certa vez um homem do sul perguntou-me: “- Em São Luís tem máquina de Xérox”? E eu respondi obediente e educado: “- Sim, lá tem máquina de Xérox”. Nunca pensei que fosse possível esta pergunta. Mas ocorreu de me perguntarem assim no meio da multidão, com uma naturalidade altiva. Bem, teria preferido noticiar que São Luís era uma cidade de objetos passados, de dejetos nas ruas, becos com nomes duplos – um de gente e outro de coisa -, museus de correntes negreiras, uma enorme serpente viva na Fonte do Ribeirão, igrejas ligadas por túneis e casas velhas. Cidade de mar e sal, cheia de homens e mulheres que viviam e batiam xérox. Andavam de carro do centro até o Viaduto do Café, embora em minha cidade nunca tenha havido um cafezal sequer. Mas tinha Xérox já em 1985. Na Rua Grande, a rua do comércio, os livros eram copiados e os papéis saíam quentes, como pães feitos naquela hora. Estava pronto para uma outra pergunta, que não veio: “ – Sim, em São Luís tem computador”. Mas a coisa é que jamais poderia dizer que em minha cidade francesa e portuguesa, lisboeta e parisiense em versos e sonhos de navios, tudo, todos os objetos e esquinas, tudo era um tipo de desculpa para viver o além da realidade, feita de Xérox. As coisas atravessavam os invisíveis túmulos das ruas do Sol e da Paz. E da Praça Dos Amores com a estátua de Gonçalves Dias. Não saberia explicar àquele rapaz de outro Brasil a tecnologia de minha cidade, muito, muito mais profunda que a mágica máquina de Xérox. Nem conseguiria levar ao seu cérebro o fedor do Poema Sujo saindo eternamente das palavras (Dentro da Noite Veloz) – se ele tivesse lido Gullar não perguntaria sobre uma máquina, falaria de gente nos quartos nus em redes. Não pude presenteá-lo com a indigência nordestina, com a indolência dos relógios parados sem olhos em paredes de azulejos multicoloridos, com a preguiça do calor infernal de um ponto no trópico latino. Sim, São Luís tinha Xérox na década de oitenta e poemas e corações aflitos. Isso foi há vinte e um anos atrás e São Luís tem a mesma alma.

*



Hemofílico




Meu sangue
Escorre monotonia
Ondas de calor
Asfalto de uma avenida
Perdida

Eduardo Borges
(Teresina-PI)
11/12/07

Na Paulista





Queria ser como
O homem sentado
No Jardim das Flores
Na Paulista em sua consciência
O tempo atrás
Inerte insone
Alheio ao vento
Ao barulho dos carros
Rindo para o nada.


17/10/06
Eduardo Borges